segunda-feira, janeiro 30, 2006

Você gosta de espiar?

A diferença entre fama e infâmia é cada vez mais tênue. É de se perguntar: não deveria haver alguma espécie de mérito para uma pessoa receber os holofotes midiáticos - compor como Lennon, escrever feito Cortázar, pintar tal qual Picasso ou ser um lider feito Gandhi? Necas de pitibiriba. Na escancarada democracia da fama há espaço para qualquer figura, seja ela namorada de jogador de futebol, amante da Luma de Oliveira, filha de ministro ou estagiária boqueteira. Torna-se quase bóbvio citar um diálogo de "Celebridade", filme de Woody Allen sobre o tema: "Você conhece uma sociedade pelas celebridades que ela cria".

Pois bem, estamos acompanhando mais alguns anônimos serem catapultados à fama em outra edição do Big Brother Brasil. Darão autógrafos nas ruas, serão abordados em shoppings e restaurantes, estrelarão ensaios de "nu artístico" (me engana que eu gosto) em revistas como Sexy ou G Magazine. Mas o que os diferenciará do restante dos mortais, senão o fato de terem aceitado se embebedar, falar palavrões, fazer confissões, dar amassos sob edredons e expor suas fraquezas e sentimentos diante de câmeras de TV?
Não há mais novidade em afirmar que a vida tornou-se espetáculo para ser visto. Vide a Internet, território no qual proliferam-se fotologs e webcams ligados 24 horas por dia, repletos de internautas dispostos a compartilhar suas imagens com qualquer um que esteja conectado. Neste mundo apinhado de voyeurs e exibicionistas, o crítico cultural Neal Gabler, autor do livro "Vida, o Filme", afirma que testemunhamos tempos nos quais "os indivíduos aprenderam a valorizar habilidades sociais que lhes permitem, como atores, assumir seja qual for o papel que a ocasião exija, e a 'interpretar' sua vida, em vez de simplesmente vivê-la".
O problema é quando esses atores desse grande circo mergulham em seus papéis de tal modo que perdem a noção do que seja real. Foi o que aconteceu no Big Brother original, exibido na Holanda em 1999, quando o primeiro candidato expulso da casa ficou tão deprimido que se atirou debaixo das rodas de um trem - e escapou por pouco da morte.

E se você pensou que as edições anteriores do Big Brother Brasil já contiveram baixarias suficientes, saiba que nessa tal "novela da vida real" outras histórias pouco edificantes pontuam as suas várias versões internacionais. Nos Estados Unidos, um dos participantes da edição de 2001, Justin Sebik, foi expulso após encostar uma faca no pescoço de outra concorrente, ao vivo, dizendo a ela: "você ficaria chateada se eu te matasse?". Na Inglaterra, seguranças chegaram a ser acionados para apartar uma briga entre participantes embriagados (a propósito, o vencedor dessa edição inglesa foi um transexual). Outro "pega pra capar" quase tirou do ar a versão portuguesa (um dos envolvidos foi expulso da casa após dar um pontapé numa colega). Na Dinamarca, o casal Robert e Sissel começou a namorar durante o programa, e ambos se empolgaram a ponto de protagonizar cenas de sexo que foram ao ar. Algumas semanas depois, o resultado: Sissel ficou grávida de Kornelius, o primeiro bebê gestado durante um Big Brother. Outros países como Espanha, Hungria e Bélgica não se furtaram a exibir seqüências calientes em suas edições (fotos e vídeos são facilmente encontrados na Web).

Será que existe um quê de catarse em ligar a TV e descobrir que há pessoas mais fodidas que eu porque sofrem, choram, são carentes, levaram foras, são espezinhadas, estão desempregadas, foram traídas ou dão vexame quando bêbadas? O fato é que rimos e nos deleitamos, para depois criticarmos jocosamente a boçalidade de fulano, a luxúria de sicrana, a ingenuidade de beltrano - tão fácil gracejar das fraquezas de terceiros.